terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Exame de Fator Antinuclear no Diagnóstico de Doenças Autoimunes



O exame chamado FAN, sigla para fator antinuclear, é um teste habitualmente solicitado para os pacientes que estão com suspeita de uma doença autoimune. Normalmente, o sistema imunológico responde à invasão do nosso organismo por patógenos produzindo um grande número de anticorpos para combatê-los. No entanto, quando uma pessoa tem uma doença autoimune, o organismo inapropriadamente passa a produzir anticorpos contra células, tecidos e proteínas do próprio corpo.

Doenças autoimunes:
Doenças autoimunes são aquelas no qual o nosso sistema imunológico equivocadamente deixa de reconhecer algumas das estruturas presentes no nosso corpo e passa a tratá-las como se fossem agentes invasores nocivos à saúde. Um dos indicativos da presença de doença autoimune são os autoanticorpos. Um autoanticorpo é um anticorpo produzido pelo sistema imune que atua contra componentes do próprio organismo que o produziu, por exemplo contra o DNA, RNA e contra outras proteínas contidas no complexo de proteínas / ácidos nucleicos. É importante mencionar que nem todos os autoanticorpos causam doenças, afinal a  grande maioria dos indivíduos normais produzem autoanticorpos, embora em pequenas quantidades.

Lúpus Eritematoso Sistêmico, um exemplo de doença autoimune
Fator Antinuclear (FAN):
O FAN (fator antinuclear) é um grupo de autoanticorpos descobertos na década de 1940 em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. O FAN não é um único anticorpo, ele é um conjunto de anticorpos contra diferentes estruturas das células. Existem vários tipos de FAN, cada um deles associado a um tipo de doença autoimune diferente. Por exemplo, os Autoanticorpos Anti-DNA Nativo ou de Dupla Hélice (dsDNA) estão presentes exclusivamente no soro de pacientes com Lupus Eritematoso Sistêmico, sendo, portanto, úteis no diagnóstico diferencial da doença desde que detectado por um teste de alta especificidade.


É importante salientar que 10% a 15% da população sadia pode ter FAN reagente em valores baixos, sem que isso indique qualquer problema de saúde. Não se sabe o porquê deste fato, mas a simples presença de um FAN positivo não é suficiente para o diagnóstico de nenhuma doença.

Exame FAN:
O exame de FAN é feito com amostras de sangue do paciente com suspeita de doença autoimune. No laboratório consegue-se identificar todos os anticorpos circulantes neste sangue. Com um corante fluorescente o laboratório marca cada um destes anticorpos. Depois, mistura-se este sangue em um recipiente com uma cultura de células humanas chamadas de Hep2.

O resultado é o que se vê na foto abaixo. Se houver anticorpos contra células do próprio organismo, estes irão se fixar às mesmas, tornando-as fluorescentes. Se o auto-anticorpo for contra o núcleo das células, a imagem no microscópio será de vários núcleos fluorescentes. Se auto-anticorpo for contra o citoplasma das células, vários citoplasmas ficarão brilhando, e assim por diante. Se não houver auto-anticorpos, nenhuma parte das células ficará fluorescente, caracterizando um FAN não-reativo

FAN Reativo


Os resultados são repetidos após várias diluições do sangue, até a fluorescência desaparecer. Resultados positivos são aqueles que permanecem brilhando mesmo após 40 diluições (resultado 1/40 ou 1:40). Portanto, um FAN reagente 1/40 significa que o auto-anticorpo foi identificado mesmo após o sangue ser diluído 40 vezes.

Aproximadamente 10% da população possui FAN positivo, geralmente nas diluições menores que 1/80. Isto significa que só são valorizados valores a partir de 1/160.  As diluições são normalmente feitas na seguinte ordem: (1/40), (1/80), (1/160), (1/320), (1/640), (1/1280)… Valores maiores ou iguais a 1/320 são muito relevantes e indicam doença autoimune em mais de 97% dos casos.

Existem mais de 20 padrões diferentes de Imunofluorescência. Cada um descreve o modo como as células humanas foram coradas pelos anticorpos fluorescentes. Alguns padrões são típicos de doenças, como Lúpus, esclerodermia, artrite reumatoide e síndrome de Sjögren. Outros são inespecíficos e podem estar presentes em pessoas normais.
Os padrões mais comuns do FAN e suas prováveis patologias, são:


Nuclear pontilhado Centromérico = Esclerodermia ou Cirrose biliar primária.
Nuclear homogêneo = Lúpus, Artrite Reumatoide, Artrite Idiopática Juvenil, Síndrome de Felty ou Cirrose Biliar Primária.
Nuclear tipo membrana nuclear contínua = Lúpus ou Hepatite autoimune.
Nuclear pontilhado fino = Síndrome de Sjögren Primária, Lúpus Eritematoso Sistêmico ou Lúpus.
Nuclear pontilhado fino Denso = Inespecífico, pode estar presente em várias doenças auto-imunes e também na Cistite Intersticial, Dermatite Atópica, Psoríase ou Asma.
Nuclear pontilhado grosso = Doença Mista do Tecido Conjuntivo, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Esclerose Sistêmica ou Artrite Reumatoide.
Nucleolar pontilhado = Esclerose Sistêmica.
Citoplasmático pontilhado reticulado = Cirrose Biliar Primária ou Esclerose Sistêmica.
Citoplasmático pontilhado fino = Polimiosite ou Dermatomiosite.


É preciso saber interpretar os resultados do fator antinuclear. Um mesmo padrão pode significar várias doenças autoimunes diferentes ou não significar nada. O FAN precisa ser avaliado junto com o quadro clínico do paciente. É importante lembrar que o paciente é um todo e não apenas um resultado de uma reação química impresso em um pedaço de papel. As associações descritas acima são possibilidades e não fatos consumados.


Falsos Positivos no Exame FAN:
Como qualquer exame laboratorial, o FAN também pode apresentar falsos positivos. 10% da população saudável pode ter FAN falso positivo, principalmente mulheres e idosos. Algumas doenças ou medicamentos também podem causar um FAN reagente, sem que isso signifique a presença de uma doença autoimune. Entre as doenças, as mais comuns são: HIV , mononucleose, linfoma e tuberculose Entre os medicamentos, os mais comuns são: hidralazina, isoniazida e procainamida.

Uma vez que se tenha um FAN positivo, associado a um quadro clínico que sugira doença autoimune, deve-se solicitar a pesquisa de autoanticorpos específicos para tentar definir exatamente com qual doença autoimune estamos lidando. O FAN sugere a presença de um autoanticorpo, mas não define qual. Por exemplo, um FAN sugestivo de lúpus indica a pesquisa do Anticorpo anti-DNA nativo, que , como dito anteriormente, é o autoanticorpo típico desta doença; já na suspeita de Sjögren solicita-se o anticorpo anti SS-A/Ro e anticorpo anti SS-B/La; na Esclerodermia dosa-se o anticorpo anti-centrômero...

Muitas vezes o paciente tem o FAN positivo mas possui os autoanticorpos específicos, citados acima, negativos. Nestes casos há geralmente duas possibilidades: ou o FAN é falso positivo ou o paciente pode ter uma doença autoimune que ainda não está ativa. Há pacientes com lúpus que apresentam o FAN reagente anos antes da doença se manifestar clinicamente. Há outros, porém, que têm FAN positivo para o resto da vida e nunca desenvolvem nenhum problema de saúde.


Às vezes, o verdadeiro diagnóstico não é aquele você imaginava...


Fontes:

http://www.mdsaude.com/2009/05/o-que-e-o-fan-fator-antinuclear.html
http://www.reumatoguia.com.br/interna.php?cat=37&id=130&menu=37
http://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/2496/exames_laboratoriais_%E2%80%93_autoanticorpos.htm



Enfim, encerro aqui mais uma série de postagens. Eu admito que gostaria de ter ampliado e abrangido mais o assunto desse blog, visto que, a meu ver, é um tema muito amplo e interessante. Infelizmente devido ao número reduzido de postagens, esse fato não foi possível. Entretanto, espero ter contribuído de alguma forma positiva no conhecimento de meus leitores (comentadores + avaliadores) no campo da imunologia e da bioquímica e ter provado a importância das mesmas para o nosso querido curso de medicina. Muito obrigado e até mais!